domingo, 2 de dezembro de 2012

Tentando entender o termo: “Ditadura do políticamente correto”



                                          "O Riso dos Outros" (Direção Pedro Arantes) 

 Depois de assistir o sensacional documentário “O Riso dos Outros”, que trata do contexto atual do humor ( especialmente do Stand Up comedy)  no Brasil, bati o martelo sobre uma expressão que as vezes me deixa horrorizado nos contextos onde é normalmente usado: “Vivemos sob uma ditadura do políticamente correto”. Essa famosa frase é usada em casos onde se quer defender  uma piada e/ou um discurso humorístico  direcionada a uma determinada minoria ou a situações trágicas (normalmente inferiorizando e reforçando estereótipos de seu alvo). Entre os considerados como a primeira linha do humor em pé nacional, alguns comediantes famosos reproduzem essa frase a cada  5 minutos para tirar seu corpo fora de sua responsabilidade na formação da opinião na esfera pública.
     Esse documentário solidificou de vez algumas desconfianças que sempre tive em relação aos “Rafinha Bastos e Danilos Gentilis”da vida.  1) Que além de pessimos comediantes, são extremamente preguiçosos ao se contentarem em reproduzir e fazer piadas que já são parte do cotidiano desde o século XIX – piadas de negros, gordos, sexistas, etc.)  2)  De terem uma noção de sociedade, ação política e discurso extremamente limitada 3) Que por causa das duas alternativas anteriores, nada mais são do que os paladinos morais e guerreiros do “status quo”. E os mesmos ainda se considerarem como os transgressores da moral e dos bons costumes ( Daquele tipo, sou transgressor porque falo palavrão na TV!!!) .
         Sobre a primeira desconfiança, como o documentário bem demonstra, são comediantes que não tem personalidade alguma, que simplesmente são pagos pra fazer piadas sobre coisas que a sociedade já inferioriza e transforma em piada desde sempre ( E boa parte deles reproduz seus próprios preconceitos – até porque eles são parte da sociedade) !!!!!  É a mesma lógica das “bandas de gravadora” no mundo musical, onde são pagas pra compor e tocar músicas que se encaixem no gosto do público, onde a única coisa que importa é seu valor comercial. Logo, eles são tão talentosos quanto qualquer banda criada pra fazer sucesso no mainstream. (Exemplos tem de sobra por ai)
       A segunda questão é a que tem as consequências mais graves. Eles tem um total desconhecimento e desconsideração dos campos discursivos que legitimam formas e atos de violência na sociedade desde sempre .  Existe uma total ignorância de toda violência discursiva e simbólica que estes tipos de piadas trazem para a vida em sociedade, ajudando a legitimar milhares de assassinatos e outros vários tipos de violência contra todas as minorias (A ridicularização no negro através do humor era um dos pilares da segregação dos EUA por exemplo : “Jim Crow”) . As palavras não são apenas códigos, elas carregam toda uma história de significados, práticas, atos, desigualdades, etc. Logo, estes comediantes não querem levar a sério a sua extrema contribuição na construção de discursos que ao longo dos séculos vem desumanizando e legitimando práticas de barbárie e violência contra minorias no Brasil e no mundo ( Os números de assassinatos por homofobia, transfobia, racismo estão ai pra demonstrar isso).
        Se o Estado democrático de direito através de seus 3 poderes,  enquanto instituição “reguladora” da vida em sociedade, nao agir em casos de piadas que reforçam e inferiorizam grupos minoritários  (o que esses figuras chamam de “patrulha contra a liberdade de expressão”)  , quem o fará???  Me dá impressão que somente a violencia fisica eh passivel de ser punida pelo Estado. Formas de violência simbólica e discursiva , que são tão sérias e importantes quanto a violência física em si, podem viver escondidos atras da chamada “liberdade de expressão” ( pra mim eh pura desculpa para  - “posso ser preconceituoso praca, desumanizar minorias e legitimar acoes violentas contra as mesmas” ).
        Todo esse desconhecimento e descaso leva a minha terceira e última desconfiança sobre estes tipos que usam a famigerada expressão “Ditadura do políticamente correto” no dia a dia. A de que eles querem defender com unhas e dentes o status e a desigualdade de poder vigente. Como diz o documentário citado aqui neste artigo, Esses comediantes não tem absolutamente nada de transgressor, e sim o contrário, eles querem fazer de tudo pra reproduzir a sociedade como está, até porque é muito mais fácil ganhar dinheiro fazendo piada da forma que eles fazem, usando esses preconceitos – e além do que é um excelente álibi pra vomitar todas estas barbaridades e se eximir de toda a responsabilidade, Escondido através de uma suposta “liberdade de expressão”. ( Como diz o documentário, é possível você fazer piada sobre qualquer grupo social  - existem piadas sobre gays engraçadissimas -  a forma que é feita é que é a questão!)

Para mais informações assistam o documentário!!! Vale a pena!


14 comentários:

  1. Acho engraçado quando eles falam "É só uma piada", tirando o corpo fora, a responsabilidade por suas palavras, como se fossem vazias e nada significassem, that's bullshit!

    Fazer piada de negro, gordo e gay é fácil, difícil é fazer piada sobre situações, pessoas e contextos diferentes, o que testa realmente a noção criativa destes humoristas. Nunca fui fã desse Rafinha Bastos e sempre achei os discursos dele completamente ignorantes, é um falso moralista. Fala o que quer, mas não gosta das consequências.

    Gosto de humor, mas também gosto de respeito. Bons humoristas são aqueles que não precisam de bengalas clichês para satisfazerem uma platéia. No documentário o cara comentou exatamente isso, que é só falar baixaria que todo mundo da risada mesmo! "É só eu falar que tem um são paulino bicha ali que todo mundo vai rir"

    É triste, mas os valores que constituem essa moral do senso comum são completamente deturpados e contribuem cada vez mais para formar uma sociedade cada vez mais ignorante e passiva.

    Excelente texto, Biano! Um abraço! :D

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  2. Eu não sou contra esse tipo de humor existir. Eu curto pra caralho chamar o Xuitz de viadinho, o Tatu de gordo, o Fabiano de Chileno, o Beudo de Beudo, e já fui muito zoado também. "Segregamos" entre nós, fazemos piadas de tons racistas e temos amizade e intimidade o suficiente pra saber que isso em nada vai influenciar a forma como tratamos as pessoas e de que jeito enxergamos até onde vai o direito de cada um, independente de crença, cor, orientação sexual, etc.
    Triste é que esses humoristas têm poder de influência. Uns vão só pra rir, propósito principal de show de humor. Outros enxergam no Stand-Up humoristas "geniais" que "protestam" contra as calamidades sociais e fazem destes verdadeiros heróis, como você bem comentou.
    Mas aí, perdoem-me, a culpa está bem longe dos que sobem ao palco. Explico: lembram quando jogávamos RPG? O jogo começava, incorporávamos o personagem e não existia mais o "Marco", mas sim o Sir Picalonga do Reino Seiláqual, cavaleiro honrado e respeitado pelos nobres. Acabou a narração, acabou o personagem. Um show de humor é a mesma coisa. Você vai lá, você ri daquele monte de bobagem e vai embora sem mexer nas suas convicções. A credibilidade depositada deve ser a mesma que de uma novela.
    Se esse humor causa toda essa massificação do preconceito, da intolerância e da burrice, a culpa é do público.
    O problema não é o Rafinha Bastos, mas sim quem achou o "como ela e o bebê" uma crítica à vaidade da cantora - quando foi só mais uma piada grosseira e engraçada pra caralho. O problema não é o Restart, mas sim uma menina achar uma "puta falta de sacanagem" ela não ganhar uma pulseirinha.
    A propósito... Por quê ríamos que nem doentes ao assistir o Charlinho? O pedreiros da puta que o pariu? O palhaço Gozo? O Boça? o Away? Eles são mais violentos ainda. Se for assim, nós somos ainda mais imbecis que os fãs do Stand Up.

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  3. Ah sim, faltou escrever acima. Excelente texto, como de costume! Vc deveria escrever mais vezes, é sempre um prazer.

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  4. Caraca...Marquinho!! Voce que trouxe o Hermes e Renato em cena...Pow meu...Charlinho eh uma critica demolidora aos programas que sensacionalizam a pobreza!!! O Boca critica o nerd de classe media (nada mais que um privilegiado do status quo)... A Igreja loucuras de meu deus demolem a loucura da busca de fieis pelas neopentecostais!! Vc ve a diferenca??? O alvo do hermes e renato nao eh o charlinho da vida real...mas a forma como a midia se aproveita dele!! (Ta vendo como a forma que se faz humor faz toda a diferenca)...A mesma coisa digo do Marcelo Adnet, quando ele tira sarro dos super ricos (com seu Marco Graco)...voce ve como essas piadas nao reforcam preconceitos historicos???

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  5. E sobre a piada do Rafinha bastos...foi so uma piada?? Como o documentario diz...Nao da pra achar nada relacionado a estupro ou a sexo sem consentimento engraçado...muito pelo contrário...é uma das coisas mais violentas e desumanas que podem existir em sociedade...Ai que tá minha crítica...Falar uma barbaridade dessas e dizer que foi "só uma piada"...nao tem essa...como pessoa pública tem que sofrer as consequencias legais pelo o que foi dito...

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  6. E pra terminar...fazer piada de coisas que já se faz a 400 anos...pelamordedeus...que falta de imaginaçao...que preguiça de pensar!!!! é muito conveniente e fácil reforçar preconceitos que ainda estao firmes e fortes em nosso dia a dia...

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  7. Ah...e assista o documentário cara!! é uma excelente reflexão!!

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  8. Sim sim, tem que se foder pelas mãos da mulher lá. Ela se sentiu ofendida, tem que processar e ele tem que pagar pelo que falou. Perdeu o emprego, tomou no cú e ainda vai ter que desembolsar uma grana por ter falado que comeria uma mãe de família E o bebê dela. Mas, eu que não tenho nada com isso e jamais estupraria alguém, ri pra caralho. Se eu quisesse inteligência e conteúdo, não tava assistindo ao CQC, ou ao Pânico, ou a qualquer outro programa de humor.
    Eu entendo o ponto que você toca, que o documentário toca, e que essa concepção de "humor" toca.
    E é justamente por isso que não condeno o humorista. Condeno o público.
    Entre nós, por exemplo. Tem um de nós que possui um apelido que não pode ser pronunciado. O cara jamais foi menosprezado pela característica que gerou a alcunha, nunca o deixamos de lado em nada que fizemos e sempre foi, pra todos, um puta amigo. Só que, infelizmente, com ele não dava pra brincar.
    Por outro lado, a gente sempre se zoou com coisas pesadas!!! E não é por isso que deu merda entre a gente, ou que houve segregação, exclusão, preconceito, seja lá o que for. Por que ISSO é humor. É tocar no que não se pode tocar, sem preocupação alguma, pois o seu "público-alvo" estará lá com a mesma visão. Eu posso te chamar de Chileno Safado por você SABER QUE NÃO É. Você pode me chamar de gordo (podia =D hahahahaha) que eu sei que você jamais vai me tratar diferente por isso.
    Daí eu culpar o público, e não o humorista. O cara "usa" a piada que tá sendo pronunciada com o único intuito de fazer rir e gerar dinheiro pra justificar pontos de vista absurdos, pois foi o "genial" do Stand Up que falou. A culpa é do imbecil que assiste, não do que tá no palco. Eu vou num show de humor pra rir, vou num comício pra politicar, vou no mercado pra fazer compras, vou no estádio pra ver jogo de futebol... Enfim, funcional. Se um quadrúpede vai num show de humor pra enaltecer suas podridões sociais e sair de lá ainda mais preconceituoso, na boa, a culpa não é do humorista.

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  9. O Away é o humorista mais preconceituoso que eu já vi. E é fantástico de tão engraçado.

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  10. o publico e o humorista se alimentam...é uma via de mao dupla né...ele só exagera estereotipos (que normalmente inferiorizam os que nao se enquadram na norma) que a maioria e os privilegiados acham engraçado...é um ciclo que se auto-alimenta... Ai é que tá meu...de um tempo pra cá...venho me policiando muito em relaçao a essas piadas e terminologias sobre gordo, gay e essas coisas que a gente aprende a usar desde pequeno...é foda!! mas aos poucos vou eliminar isso do meu vocabulário...

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  11. Redefina.
    Uns acham engraçado. Eu. Ok. E param por aí.
    Outros acham engraçado E CERTO. Maioria. Errado.
    O eu espectador, que senta na cadeira com o único intuito de ouvir um monte de bobagem e rir, ri pra cacete de preto, bicha, gay, gordo, deficiente, seja o que for.
    O eu não espectador, que trabalha, se relaciona, se dirige a e é solicitado por ignora todas essas características. Tá ali é pra ser atendido, e ponto final. Homem, mulher, gordo, magro, careca, cabeludo, bicha, maconheiro, preto, branco, japonês... Que venha. Estamos aí.
    Preconceito é UMA MERDA e é ERRADO. Deus me livre transparecer que concordo com essas brutalidades.
    Mas não consigo, honestamente, aceitar que se vincule fardos tão pesados ao humor, cuja principal finalidade (pra mim, a única) é fazer rir. Prefiro continuar não acreditando que este é usado para fins controversos e não perder minha capacidade de rir de qualquer bosta. Me ajuda muito a me relacionar muito bem com qualquer um ao meu redor e a estar sempre de bom humor frente ao monte de dificuldades que a vida já impõe naturalmente.

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  12. Enfim guri... Tem vários exemplos na história do ocidente que me faz fazer essa relação e vincular estes fardos...o humor nao tem NADA de inocente na construçao destes imaginários... Muito pelo contrário... Jim Crow no tempo da segregação americana... e os regimes totalitários não me deixam mentir!!! E na área de história já existe vários estudos sobre esta relação... O humor é parte importante na construçao da "realidade"... E como tudo no mundo...está envolto por certas ideologias e visoes de mundo...inconscientemente... ela nao precisa ter isso como objetivo primordial pra fazer estrago entende?? É nessas pequenas coisas que grupos sociais são desumanizados aos pouquinhos... E normalmente após a "morte moral", fica bem mais facil se livrar dos que nao se encaixam na norma... O humor nao está desvinculado da realidade, ele é parte dele...as coisas nao sao tao conscientes e inocentes assim...pow meu...tem pesquisa pracar sobre isso...sobre diferentes contextos históricos!

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  13. Pois é, você tem mesmo razão. A utilização do humor como massificação de opiniões infelizmente existe. E eu acho isso péssimo.
    Mas isso existe por que deixam, entende? Eu nunca atribui ao Hitler a culpa pelo Nazismo em virtude da mesma lógica, saca?
    Loucos terem idéias loucas é normal, sempre acontecerá. Tenho certeza que aquele povo, em outro tempo e outra situação, jamais teria "comprado" toda aquela idéia. Vejo em quem sai aplaudindo o Danilo Gentili e o Rafinha Bastos como "visionários" e quem reconhece no CQC um instrumento de protesto como pessoas com a mesma imbecilidade (ou fragilidade) que aqueles que compraram o Nazismo. Essas coisas só se criam se a gente deixa.
    Eu rio - e rio muito - das piadas. No meu trabalho, porém, eu só lido com gente renegada. Ainda assim, nunca cometi menosprezos e sou sempre muito bem visto nos ambientes em que trabalho, e o melhor de tudo, pelas pessoas a quem atendo. E penso eu que são nessas coisas que demonstramos nossos valores, nossas ideologias e nossa predisposição a aceitação da igualdade de todos, independente de crenças e cores. E não o que eu acho engraçado.
    Mas eu concordo com você que isso existe. Que sempre existiu. E que enquanto não separarmos humor de coisa séria, existirá. Só não consigo atribuir a culpa ao humorista.

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  14. Olá Fábio,

    Pois é, ótimo texto. A acusação de "politicamente correto" é sim bastante oportunista. Costumo dizer que aquelas pessoas que me acusam de fazer um puta esforço para uma "revoluçãozinha" não percebem o esforço que elas fazem para as coisas continuarem como estão. É uma atitude muito comodista criticar quem é crítico às coisas, e se manter acrítico a elas.

    Obrigado pela postagem. E também gosto muito desse documentário (também escrevi sobre ele).

    Abraços!

    Adriano

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