"O Riso dos Outros" (Direção Pedro Arantes)
Depois
de assistir o sensacional documentário “O Riso dos Outros”, que trata do
contexto atual do humor ( especialmente do Stand Up comedy) no Brasil, bati o martelo sobre uma expressão
que as vezes me deixa horrorizado nos contextos onde é normalmente usado: “Vivemos
sob uma ditadura do políticamente correto”. Essa famosa frase é usada em casos
onde se quer defender uma piada e/ou um
discurso humorístico direcionada a uma
determinada minoria ou a situações trágicas (normalmente inferiorizando e
reforçando estereótipos de seu alvo). Entre os considerados como a primeira
linha do humor em pé nacional, alguns comediantes famosos reproduzem essa frase
a cada 5 minutos para tirar seu corpo
fora de sua responsabilidade na formação da opinião na esfera pública.
Esse
documentário solidificou de vez algumas desconfianças que sempre tive em
relação aos “Rafinha Bastos e Danilos Gentilis”da vida. 1) Que além de pessimos comediantes, são
extremamente preguiçosos ao se contentarem em reproduzir e fazer piadas que já
são parte do cotidiano desde o século XIX – piadas de negros, gordos, sexistas,
etc.) 2)
De terem uma noção de sociedade, ação política e discurso extremamente
limitada 3) Que por causa das duas alternativas anteriores, nada mais são do
que os paladinos morais e guerreiros do “status quo”. E os mesmos ainda se
considerarem como os transgressores da moral e dos bons costumes ( Daquele
tipo, sou transgressor porque falo palavrão na TV!!!) .
Sobre a primeira desconfiança, como o documentário bem demonstra, são comediantes
que não tem personalidade alguma, que simplesmente são pagos pra fazer piadas
sobre coisas que a sociedade já inferioriza e transforma em piada desde sempre
( E boa parte deles reproduz seus próprios preconceitos – até porque eles são
parte da sociedade) !!!!! É a mesma
lógica das “bandas de gravadora” no mundo musical, onde são pagas pra compor e
tocar músicas que se encaixem no gosto do público, onde a única coisa que
importa é seu valor comercial. Logo, eles são tão talentosos quanto qualquer
banda criada pra fazer sucesso no mainstream. (Exemplos tem de sobra por ai)
A segunda questão é a que tem as
consequências mais graves. Eles tem um total desconhecimento e desconsideração
dos campos discursivos que legitimam formas e atos de violência na sociedade
desde sempre . Existe uma total
ignorância de toda violência discursiva e simbólica que estes tipos de piadas trazem
para a vida em sociedade, ajudando a legitimar milhares de assassinatos e
outros vários tipos de violência contra todas as minorias (A ridicularização no
negro através do humor era um dos pilares da segregação dos EUA por exemplo : “Jim
Crow”) . As palavras não são apenas códigos, elas carregam toda uma história de
significados, práticas, atos, desigualdades, etc. Logo, estes comediantes não
querem levar a sério a sua extrema contribuição na construção de discursos que
ao longo dos séculos vem desumanizando e legitimando práticas de barbárie e
violência contra minorias no Brasil e no mundo ( Os números de assassinatos por
homofobia, transfobia, racismo estão ai pra demonstrar isso).
Se o Estado democrático de direito através de
seus 3 poderes, enquanto instituição “reguladora” da vida em sociedade, nao agir em casos de piadas que reforçam e
inferiorizam grupos minoritários (o que
esses figuras chamam de “patrulha contra a liberdade de expressão”) , quem o fará??? Me dá impressão que somente a violencia fisica
eh passivel de ser punida pelo Estado. Formas de violência simbólica e
discursiva , que são tão sérias e
importantes quanto a violência física em si, podem viver escondidos atras da
chamada “liberdade de expressão” ( pra mim eh pura desculpa para - “posso ser preconceituoso praca,
desumanizar minorias e legitimar acoes violentas contra as mesmas” ).
Todo esse desconhecimento e descaso leva a
minha terceira e última desconfiança sobre estes tipos que usam a famigerada
expressão “Ditadura do políticamente correto” no dia a dia. A de que eles
querem defender com unhas e dentes o status e a desigualdade de poder vigente. Como
diz o documentário citado aqui neste artigo, Esses comediantes não tem
absolutamente nada de transgressor, e sim o contrário, eles querem fazer de
tudo pra reproduzir a sociedade como está, até porque é muito mais fácil ganhar
dinheiro fazendo piada da forma que eles fazem, usando esses preconceitos – e
além do que é um excelente álibi pra vomitar todas estas barbaridades e se eximir
de toda a responsabilidade, Escondido através de uma suposta “liberdade de
expressão”. ( Como diz o documentário, é possível você fazer piada sobre
qualquer grupo social - existem piadas
sobre gays engraçadissimas - a forma que
é feita é que é a questão!)
Para mais informações assistam o
documentário!!! Vale a pena!