Nos primeiros meses deste ano, tive a oportunidade de passar alguns meses nos Estados Unidos. E nessa pequena experiência de imersão cultural fiquei atento a uma questão que há muito tempo me interessa enquanto conhecimento e objeto de estudo. As relações raciais na cultura americana e sua comparação com o caso brasileiro
Já é muito conhecido pelo público geral a história do pensamento e das relações raciais nos EUA e seu uso enquanto arma política e ideológica de classes dominantes e brancas sobre os recém-libertos e descendentes de escravos africanos na segunda metade do Século XIX e na primeira metade de Século XX. Em quase todos os estados sulistas deste país houve uma política deliberada de segregação racial, onde os negros eram proibidos (através das leis) de freqüentar certos lugares, estabelecimentos e ter certos tipos de propriedade, que eram exclusivamente reservados aos “brancos”. A justificativa desta política de exclusão se dava através de dois eixos discursivos. A primeira se dava através do viés religioso, que condenava os negros enquanto descendentes de Caim. E o chamado discurso “científico”, que através da pretensa prova cientifica da análise fenotípica (física) e cultural, “´provavam” que as pessoas de pele escura eram “diferentes” ( de outra “raça”) e necessariamente inferiores aos brancos na hierarquia racial. Também sabemos muito sobre a luta e o movimento dos direitos civis que na década de 50 finalmente conseguiu derrubar estas leis segregacionistas. Convém lembrar que até hoje a sociedade norte-americana ainda sofre de focos de racismo e de ignorância em todo o seu território.
A questão chave é que todo este processo de segregação racial e de resistência dessas leis pelos negros norteamericanos acabou por formar uma “cultura negra” propriamente dita. Em pleno século XXI e 50 anos depois após os discursos de Martin Luther King Jr., os afro-americanos construíram suas próprias referências culturais e costumes que os definem enquanto “Negros”. Começando pela indústria cultural, criou-se um canal de TV destinado ao público negro (BET), com suas músicas, programas de TV criados e interpretados por negros. Nas livrarias, existe uma seção que é destinada somente aos livros de escritores afroamericanos que tem como público alvo os negros. Existem cidades, estados que são identificados com a cultura “afroamerican”. Ou seja, Como dizia um professor meu da faculdade, Nos EUA existe a questão do Michael Jackson, “Black or White”, ou você é “Black” (e para ser você precisa apenas de um pingo, uma pista de sangue negro – logo mulatos são necessáriamente“negros” ) ou “White”. Apesar do fim da segregação, a disparidade e as desigualdades (econômicas e sociais) entre brancos e negros ainda é significativa na sociedade dos EUA, e o racismo ainda é latente e visível.
Pensando o caso brasileiro, As relações raciais e a ideologia da raça são bem distintas do caso americano. Primeiramente, apesar de toda a importância do racismo enquanto ideologia no final do século XIX e no início do século XX (que reforçava a superioridade dos brancos sobre os descendentes dos escravos africanos), ela não foi párea para a mistura que as relações sociais promoveram entre as pessoas de diferentes origens étnicas em nosso país. A figura do “mulato” veio para mudar a maneira como o racismo se manifesta em nossa pátria. Aqui, o racismo não é aberto como nos EUA, onde é fácil identificar quem é negro e quem não o é (pela diferença cultural). No Brasil, esta noção é difusa, o ser “negro” e identificar quem o é dependem de outras variáveis. Aqui no Brasil, a figura do “negro” (cor da pele) se confunde muito com sua condição econômica e social. O “negro” é confundido e identificado com a noção de pobreza e de condição social. Quanto mais rico o afrodescendente é, mais “branco” ele pode se tornar para a sociedade brasileira, e passível de “menos” preconceito. Outro fato importante a lembrar é o chamado mito da “democracia racial” e de uma pretensa ausência de racismo em nosso país justamente pela intensa mistura de povos de origens étnicas distintas. Ora pois, o Brasil possuí uma desigualdade social baseado na cor da pele e na noção de “raça” (diferença no poder aquisitivo, educação e acesso a ela) maior que a sociedade teóricamente “segregada” que é a norte-americana.
Deste modo, é muito mais difícil combater o Racismo num país que, apesar de todas as evidências destas desigualdades que a cor da pele e a origem social proporcionam, se acomoda sobre uma pretensa “democracia” e igualdade entre todos os povos e raças. Refletindo sobre pensamento racial no Brasil, somos tão ou mais hipócritas e/ou omissos que os norteamericanos nesta questão, e em nosso país acho muito mais problemático combater e se defender desta ideologia da raça que ainda persiste em nossa sociedade. É por isso que entendo e até defendo o aparecimento e execução de políticas afirmativas que tentam amenizar este problema histórico (Cotas nas Universidades por exemplo). Em tempos de multiculturalismo e de respeitos às diferenças, Os racismos (idéias do século XIX) ainda nos assombram e nos perseguem.
É isso.
Fabiano Atenas Azola